“Cultura é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Edward B. Taylor

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Exótico e Interessante

 

as-bicicletas-de-belleville-(25003)[1] “As Bicicletas de Belleville” é um filme diferente, uma estética que foge do comum e nada contra a corrente. Um filme mudo nos dias atuais causa, a princípio, um certo estranhamento no espectador tão acostumado com os efeitos especiais que dão vida às ações e à velocidade do mundo moderno. Aos poucos, o espectador vai percebendo que o filme ser mudo é na verdade um charme, pois isso dá aos personagens uma densidade que os torna quase reais. Além disso, por ser extremamente crítico, o filme brinca com o modo de vida humano e a supremacia do capitalismo no mundo ocidental atual.

A trama tem um caráter pra lá de fantástico. Depois de treinar com apito em punho o seu neto ciclista para a famosa Tour De France, a velhinha Madame Souza o vê seqüestrado por mafiosos; atravessa, então, o oceano acompanhada por seu cachorro Bruno em um pedalinho. Chega a Belleville, consegue o auxílio de idosas trigêmeas cantoras de cabaré e tenta libertar o ciclista escravizado numa arena clandestina de apostas.

Mas de onde vem tanta criatividade? Sylvain Chomet, o diretor, desenhista de historias em quadrinhos, teve experiência com animação na Inglaterra e no Canadá, onde absorveu muitas influencias. O “timing” dos personagens, por exemplo, veio da terra britânica. Segundo Chomet, o personagem pode não estar fazendo nada, mas se na hora certa ele fizer um gesto, ele dá vida à ação e uma série de outros acontecimentos. Dentre outros prêmios, o filme foi indicado a dois Oscars e foi para a seleção oficial do festival de Cannes.

Um tom melancólico e saudosista predomina na primeira metade do filme, evidenciando a solidão dos personagens, sufocados pelo inevitável progresso das grandes cidades. A trilha, criada por Benoít Charest parece ser mais um personagem do filme, insubstituível.

Com um traço impressionista, a fotografia é marcante. Diferente do olhar Disney e dos desenhos japoneses, o filme brinca com a sensação de que tudo foi feito a mão, dando um efeito rústico para a obra, um clima meio aquarela. Cada cena é detalhista ao extremo, os personagens têm tiques, manias, é possível perceber suas sensações pelo olhar, que nos cativam ao longo do filme. O nível de detalhes é tão intenso que é possível notar um cartaz do filme “AS FÉRIAS DE SR. HULOT” de Jacques Tati, enfeitando a sala das velhinhas trigêmeas além de que na cama, as irmãs se esbaldam de rir assistindo a “Escola de Carteiros” (L'École des facteurs, 1947), um dos melhores curtas do diretor. Tati é o diretor de fotografia do filme, reconhecido por construir atmosferas por meio de sons e mímicas.

O uso das cores é milimetricamente calculado: tons pastéis e quentes para dias e momentos alegres e cores frias e sombras para a noite e momentos de suspense.

Definitivamente é um filme de detalhes. Filme para ser analisado e não somente assistido. Fica evidente a sátira aos norte-americanos, gordos e comilões, crítica que Chomet já havia feito no seu curta “La Vieille dame et les pigeons” (1998). Tem até uma referência com a chuva de sapos de Magnólia (de Paul Thomas Anderson, 1999). O fato das heroínas da trama serem três velhinhas trigêmeas e uma senhora idosa, já é uma grande ironia. O corpo dos personagens é muito valorizado, pois como não podem ser reconhecidos pela voz, são reconhecidos pela forma.

Apesar de ser animação, não é um filme leve, infantil, para toda a família. É um filme para quem gosta de arte e de cinema. Que exige atenção, reflexão do espectador. Um filme que critica os “ismos” (imperialismo, capitalismo e consumismo) e que é ao mesmo tempo, emocionante, sensível, delicado. Comédia e drama se misturam numa dança harmônica formando uma das melhores e mais inteligentes animações desta década.

Um comentário:

Kiko Mourão disse...

O filme é muito bom mesmo. Pelo menos até a metade ele é muito bom.