“Cultura é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Edward B. Taylor

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Os Esquecidos, Luis Buñuel

 

Eles também foram esquecidos

Por Tássia Corina

Há cerca de sessenta anos atrás, Buñuel já se incomodava com uma situação que continua atual. A perda da infância e da inocência nos subúrbios de grandes cidades e o aumento da delinquência por meio desses jovens. O filme Os Esquecidos (Los olvidados, 1950) conta a história de Pedro (Alfonso Mejía), uma criança, nascida de um estupro, que carente de carinho familiar, principalmente da mãe, que passa seus dias na rua, na companhia de outros jovens solitários e arruaceiros. Jaibo (Roberto Cobo), órfão de pai e mãe, faz parte desse grupo e passa a ser o líder naturalmente, conseguindo tudo o que quer por meios ilícitos. Fugido do reformatório, Jaibo deseja se vingar de Julian (Javier Amézcua) por ter sido denunciado por ele e acaba o matando, na companhia de Pedro. O crime então passa a dominar a vida dos dois, que vivem morrendo de medo de serem pegos. Tentando mudar de vida e conseguir o tão sonhado carinho da mãe (Estela Inda), Pedro decide arrumar um emprego, mas por causa de Jaibo, é acusado de roubo e mandado para um reformatório. Mesmo dentro da Escola Agrícola, Jaibo consegue atrapalhar os planos de Pedro, fazendo com que o confronto entre os dois seja algo inevitável. Pedro percebe o quão negativa é essa amizade e denuncia Jaibo pelo assassinato de Julian. A partir daí, Jaibo só pensa em vingança e Buñuel não evita o final trágico.

O cineasta foi muito corajoso ao escolher retratar a realidade mexicana ao invés de sua beleza, o que causou muita polêmica na época da estréia. Os personagens Pedro, El Jaibo, Ojitos, Metche e o restante do grupo que vivem pelos subúrbios da Cidade do México ilustram os jovens abandonados por uma sociedade que, ocupada demais com seus afazeres ou preocupada demais com suas situações econômicas, além de quererem impor a lei e a disciplina à força, negam-lhes afeto e compaixão. No filme, a família é representada com membros ausentes, insensíveis, frios. Como a mãe de Pedro, que o ignora e não faz questão do filho em casa; o pai de Ojitos, que o abandona no centro da cidade; os pais que Jaibo nunca conheceu (ele descreve o rosto da mulher que imagina ser sua mãe); o irmão mais velho de Metche, que vendo Jaibo molestando-a, finge que nada está acontecendo.

Na tela, fica estampado o retrato do abandono familiar, da falta de políticas públicas, o descaso governamental, da miséria. O personagem diretor do reformatório afirma em seu discurso que gostaria de matar a miséria, para que elas não matem suas crianças. O que vemos hoje no Brasil, na América Latina em geral, no México, Nova York, não é muito diferente. A juventude miserável está nas ruas, aprendendo a ser os bandidos de amanhã, o que deixa latente uma ação urgente e necessária: investir na infância, na educação, em perspectivas de uma vida melhor para os jovens. Buñuel nessa obra, nada tem de surreal. Mal sabia ele que seu filme seria ainda tão alarmante, mesmo 62 anos depois.

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